Disciplina - Matemática

Matemática

10/04/2014

A matemática da sustentabilidade

Por Filipe Duarte Santos

A matemática é a linguagem da ciência e das suas múltiplas aplicações. Foi nos séculos XVI a XVIII que os pioneiros da ciência moderna teimaram em acreditar numa natureza inteligível cujas leis fundamentais se podem exprimir na linguagem abstracta da matemática.

A partir dessa época a ciência e a tecnologia, por um lado, e a matemática e a matemática computacional, por outro lado, avançam em conjunto e fortalecem-se por meio de frutuosas interacções mútuas. Hoje em dia não há praticamente nenhum domínio da actividade humana que não beneficie do suporte indispensável das aplicações da matemática. As ciências sociais e humanas estão a recorrer progressivamente à estatística, à teoria das probabilidades, à teoria dos jogos, à matemática da optimização, aos sistemas dinâmicos e de um modo geral às equações diferenciais para simular o comportamento e a evolução dos sistemas socioeconómicos e socioecológicos.

Foi neste contexto que surgiu recentemente um artigo de investigadores das Universidades de Maryland e Minnesota, a ser publicado na revista Ecological Economics, em que se desenvolve um modelo matemático, HumAn and Nature DYnamical (Handy) Model, anteriormente utilizado pela NASA, para simular aspectos essenciais da evolução futura da humanidade.

O modelo incorpora a relação dinâmica entre a população e a exploração dos recursos naturais através do modelo presa-predador, construído de forma independente por Alfred Lotka e Vitto Volterra nos anos de 1925 e 1926. Esta ideia tinha sido já explorada com sucesso por J. A. Brander e M. S. Taylor em 1998 para explicar o aumento histórico e o declínio acentuado da população na ilha da Páscoa no Pacífico.

A novidade do novo estudo está em terem utilizado mais duas equações diferenciais para simularem aspectos socioeconómicos e políticos, ou seja, o facto de a acumulação da riqueza resultante da exploração de recursos naturais não estar distribuída uniformemente na sociedade e ser controlada por determinadas elites. Assim, uma sociedade pode estar menos estratificada, isto é, ser mais igualitária, ou estar mais estratificada e ser mais desigual.

As quatro equações diferenciais relativas às quatro variáveis independentes – elites, não- elites, recursos naturais e riqueza acumulada – permitem estudar a evolução da tensão ecológica e da estratificação social e analisar os casos em que o sistema evolui para a sustentabilidade ou para o colapso.

Apesar da sua simplicidade o modelo matemático é muito rico, pois permite estudar diferentes tipos de sociedades humanas com comportamentos e evoluções muito diversas. Uma conclusão importante destes estudos é mostrarem com grande clareza que se pode atingir a sustentabilidade, caso sejam satisfeitas simultaneamente duas condições: a taxa de utilização de recursos naturais não pode ultrapassar determinados limiares e a desigualdade na distribuição da riqueza, entre as elites e as não-elites, não pode ser superior a determinados valores. Note-se que a sustentabilidade pode ser atingida de forma relativamente suave ou por meio de grandes oscilações ou crises. Por outro lado, o colapso pode ser reversível ou irreversível.

Um dos aspectos mais curiosos deste estudo foi o seu impacto imediato nos media e nas redes sociais. Paira no ar a nível mundial uma leve mas persistente suspeita de que o caminho que globalmente estamos a trilhar não é sustentável. Perante o artigo salientou-se quase exclusivamente a eventualidade do colapso inevitável e não a da sustentabilidade. Alguns interpretaram erroneamente que a NASA subscrevia a aproximação de um colapso civilizacional, postura que seria verdadeiramente escandalosa por parte de uma instituição pública. Imediatamente a NASA emitiu um comunicado a desmentir, embora reconhecendo que apoiou a construção do modelo Handy.
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Esta notícia foi publicada em 10/04/2014 no site http://www.publico.pt. Todas as informações são responsabilidade do autor.
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