Disciplina - Matemática

Matemática

05/06/2017

Frações são as vilãs...

Frações são as vilãs da matemática?


Por Marcelo Viana

Em 1858, o jovem antiquário escocês Alexander Henri Rhind comprou no Egito um papiro -documento escrito num tipo de papel feito com o caule de uma planta aquática - que fora encontrado nas ruínas de Tebas, a antiga capital dos faraós. Rhind esperava que o clima do país ajudasse a curar a sua tuberculose, mas não deu certo: morreu cinco anos depois, e o papiro foi vendido ao British Museum, de Londres.

O papiro de Rhind contém uma coleção de problemas de aritmética, álgebra, geometria e outros temas. Datado de 1550 a.C., é um dos mais antigos documentos matemáticos conhecidos. O autor, o escriba Ahmes, explica ali que é cópia de um texto ainda mais antigo, que se perdeu. O texto contém alguns erros, mas não é possível saber se são obra de Ahmes ou se apenas os deixou passar.

Os primeiros problemas tratam de frações. Devem ter sido difíceis na época, porque os egípcios nunca desenvolveram uma boa notação para frações. Tirando 2/3, que tinha direito a um símbolo especial, eles só reconheciam frações com numerador 1. Por exemplo, o resultado da divisão de 31 por 51, que representamos como 31/51, para eles era 1/2 1/17 1/34 1/51
(porque 31/51 é igual a 1/2 mais 1/17 mais 1/34 mais 1/51). Dá para imaginar a loucura que seria fazer contas com tal notação! Acho provável que os alunos egípcios não adorassem aulas de frações...

A notação moderna é muito melhor. Mas as frações continuam sendo um dos tópicos da matemática mais impopulares e difíceis de ensinar. Por quê?

Para as crianças pequenas, nos primeiros anos de escolaridade, o "bicho papão" da matemática não existe: elas gostam da disciplina e se divertem genuinamente com os seus mistérios. No livro What's math got to do with it? a pesquisadora Jo Boaler, da Universidade Stanford, escreve que crianças são naturalmente curiosas e querem dar sentido às coisas, mas a escola elimina esse tendência. "Crianças começam os estudos com talento inato para resolver problemas, mas muitos estudos mostram que elas são melhores nisso antes de terem aulas de matemática", afirma.

As ideias matemáticas (contagem, forma, ordem etc) ensinadas nos primeiros anos da escolaridade estão naturalmente presentes na vivência da criança. Isso muda ao final do primeiro ciclo escolar, quando os ensinamentos vão se tornando mais abstratos. A relação com a vida real continua existindo, claro, mas passa a ser necessário evidenciá-la. A maior parte das vezes a escola falha nessa tarefa, e é aí que perdemos a atenção dos jovens. Recentemente me foi apontado que isso coincide com o momento em que as frações chegam à sala de aula. Uma observação intrigante!

Os problemas com o ensino de frações não são uma exclusividade brasileira. Em artigo publicado em 2011 na revista Notices da Sociedade Americana de Matemática, o professor H. Wu da Universidade da Califórnia, Berkeley analisa as dificuldades com o ensino de frações no sistema dos Estados Unidos, e elas são muito parecidas com as nossas.

A professora Boaler ilustra o problema com a seguinte questão, tirada de um estudo realizado nos Estados Unidos: qual dos números 1, 2, 19 e 21 aproxima melhor o valor de 12/13 + 7/8? Observe que 12/13 é quase igual a 1 (se cortar uma pizza em 13 fatias e comer 12 delas, está comendo quase uma pizza inteira, certo?) e, do mesmo modo, 7/8 também é quase igual a 1. Portanto, a resposta certa é 1+1, que é 2. Mas nesse estudo apenas 24% dos alunos de treze anos acertaram: a grande maioria escolheu as respostas 19 ou 21, que são totalmente disparatadas. Para responder a esta questão é necessário entender o que as frações significam. Não basta saber fazer contas, é preciso pensar!

Ouvi este exemplo de um diretor e professor de matemática, durante a reunião de pais numa escola. Foi muito interessante observar a reação dos adultos. Alguns levantaram a mão, entusiasmados porque sabiam a resposta. Mas ficou claro que a maioria nem sequer estava tentando pensar ("a escola é do meu filho e eu é que tenho que responder perguntas de matemática?!"), como se saber responder a questões como esta fosse completamente inútil ou proibitivamente difícil. Não é. Chegando a casa depois da reunião, fiz a pergunta ao meu filho. Ele não estudou frações, ainda não sabia o significado de 12/13 e 7/8. Mas expliquei com fatias de pizza - tema que lhe interessa muitíssimo! - e ele chegou à resposta certa com naturalidade.

A professora Boaler também propõe o seguinte problema. Uma pessoa que está de dieta compra 6 fatias de presunto light que, juntas, pesam 1/3 de um quilo. Mas a dieta só permite que ela coma 1/8 de quilo. Quantas fatias de presunto a pessoa pode comer? Respostas pelo e-mail viana.folhasp@gmail.com são muito bem-vindas!
Esta noticia foi publicada em 02/06/2017 no site http://www1.folha.uol.com.br/. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.
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